Em tempos de polarização, há um fenômeno curioso que se repete com frequência: quando ideólogos defendem suas próprias ideias, costumam recorrer ao relativismo moral, argumentando que tudo depende do contexto, da cultura e das circunstâncias. No entanto, quando se deparam com ideias contrárias às suas, a flexibilidade desaparece, e a moral passa a ser tratada como uma verdade absoluta, inquestionável.
Esse jogo contraditório não é novo, mas seu impacto hoje é maior devido à velocidade com que opiniões se espalham e ganham força. O relativismo, que deveria servir para estimular o debate saudável e a compreensão das diferenças, é muitas vezes usado como uma ferramenta de conveniência — flexível para justificar os próprios erros e implacável para atacar os do outro.
Relativismo quando convém, absolutismo para atacar
Veja bem: quando alguém tenta justificar comportamentos dentro de seu grupo, a narrativa é clara: “Não existe verdade absoluta. Tudo depende do ponto de vista.” Um ato controverso passa a ser “uma expressão cultural”, um erro moral é “parte do processo de evolução”. A linha que separa o certo do errado se dissolve em nome da compreensão do contexto.
Mas, curiosamente, essa mesma flexibilidade desaparece quando as ideias adversárias estão em pauta. De repente, a moral se torna rígida, absoluta, e os valores que antes eram maleáveis viram dogmas. Não há espaço para justificativas, para entender o contexto ou o outro lado. O erro do outro é definitivo, imperdoável, uma afronta à “verdade”.
Por que isso acontece?
Esse comportamento é, antes de tudo, uma estratégia de poder. O relativismo é uma arma de defesa e o absolutismo é uma arma de ataque. Quando precisam proteger suas próprias ideias, os ideólogos recorrem ao relativismo para amenizar suas falhas. Mas, quando precisam deslegitimar o adversário, a moral absoluta entra em cena para eliminar qualquer chance de diálogo.
A moral deixa de ser uma questão ética para se tornar uma ferramenta de conveniência. Não se trata mais de buscar o que é certo ou justo, mas de vencer o debate. O problema é que, nesse processo, perdemos a essência da moralidade: a busca por princípios que orientem a convivência humana de forma justa e responsável.
Os perigos dessa contradição
Quando a moral é usada como um jogo de interesses, o resultado é a desconfiança generalizada. O debate público perde credibilidade, porque as pessoas percebem que não se trata mais de discutir valores reais, mas de manipular conceitos conforme a necessidade. Isso gera um ambiente onde a polarização se intensifica, e o diálogo se torna praticamente impossível.
Pior ainda, essa contradição cria um ciclo de hipocrisia: aqueles que hoje relativizam seus erros e absolutizam os erros alheios amanhã podem ser vítimas da mesma estratégia. O relativismo conveniente destrói a ideia de um padrão moral comum, e o absolutismo seletivo transforma qualquer erro em condenação eterna. Nesse cenário, ninguém sai ileso.
O que fazer diante disso?
A solução está em reconhecer e confrontar essa contradição. É preciso buscar coerência, mesmo que isso signifique admitir erros ou rever posições. O debate moral deve ser feito com honestidade, e não como uma estratégia para vencer o adversário. Relativismo e absolutismo têm seu lugar, mas precisam ser usados com responsabilidade. Não podemos relativizar o que nos favorece e absolutizar o que condena os outros.
A moral não pode ser um jogo de conveniência. Ela deve ser um guia para a convivência justa. Se queremos um debate público saudável, precisamos abandonar a hipocrisia e buscar a verdade, mesmo que isso nos incomode. Afinal, a integridade moral não está em vencer discussões, mas em ser fiel aos princípios, mesmo quando não nos favorecem.
Conclusão: O desafio da coerência
Vivemos em uma sociedade onde muitos se escondem atrás da moral flexível, mas atacam com a moral rígida. Esse ciclo só será rompido quando todos entenderem que a moral não deve ser usada como uma arma, mas como um compromisso com a justiça.
O verdadeiro desafio não está em defender nossas ideias a qualquer custo, mas em sermos coerentes, mesmo quando isso significa perder uma discussão. Porque, no final das contas, quem ganha com a moral de conveniência é o caos — e quem perde é a verdade.